quinta-feira, 5 de abril de 2007

Olívia no país das maravilhas - Parte I

Ou: Olívia segue seu coração
Ou: Apresentando Olívia

Olívia, carioca da Zona Sul, estava meio que “bolada” com a existência pequeno-burguesa que estava levando. E a merda disso tudo é que começou a ter crises de ansiedade. Assim, do nada. Não tinha grana, é verdade. Mas levava uma vida, digamos assim, na medida do possível confortável. Fez o impossível para morar naquele quarto e sala no Leme. Apesar de formada em teatro e de sua determinação em tornar-se atriz - quem sabe, da Rede Globo -, o que ela conseguiu mesmo foi um emprego como secretária em um escritório de advocacia. Teve de trocar as roupas alternativas pelas de executiva e também “amansar” o cabelo castanho de leoa, que encantou rapazes em sua adolescência. “Tá foda”, lamentava-se.

Era casada com José Carlos, o Zeca, funcionário do Banco do Brasil há três anos. E um de seus maiores prazeres era ouvir Dorival Caymmi. Depois, o chopp. A praia. A balada. A maconha. Os botecos pé-sujo. Era, como costumam dizer, carioca da gema: exuberante, extrovertida, não gostava de dias nublados, falava mal de paulista. Era dourada, direta e sexy. Mas tinha os apertos no peito. E escutava Dorival Caymmi. Quando estava só, olhava o nada. Sem pensamentos. Vazia.

Numa madrugada de agosto, Olívia acordou de repente, como se tivesse conseguido escapar de alguma tragédia. Estava salva “ai, meu Deus!”. Suava e respirava como se fosse asmática. Não era. Virou para o lado e sacudiu Zeca, tentando acordá-lo. Falou: “Zeca, Zeca!”
“Hein ???”, disse o marido ainda meio sonolento. “Que é, princesa?”
“Zeca, vou pra Maracangalha”.
Nesse momento, Zeca, o bancário, não sabia definir se estava ainda sonhando ou se Olívia queria fazer algum tipo de pegadinha. “Querida, Maracangalha não existe”, disse, tentando voltar a dormir.
“Zeca, existe sim...” Silêncio. “...e fica na Bahia.”, continuou Olívia. "Zeca... não posso mais com isso"

Na manhã seguinte, Olívia estava preparando o café quando Zeca apareceu. Introspectivo, sentou na cadeira e esperou que sua esposa colocasse a mesa. Ficou em silêncio. Olívia, também. Ela tinha feito cuzcuz, cortou mamão e colocou o pão na torradeira. Até que...

“Dourada?”, chamou-a carinhosamente Zeca. “Diga que você estava delirando ontem”. Não houve resposta. Olívia continuou coando o café de costas para o marido.
“Sei que você está passando por um período difícil, mas a gente vai superar, né? É uma loucura deixar tudo para ir atrás...” Vacilou um pouco nas palavras. Comeu um pedaço de mamão para recuperar o fôlego “...e ir em busca... assim... do nada. E no interior da Bahia, Olívia? Não dá, né?”

Olívia parou e respirou fundo. Aquilo de dar satisfações há muito já tinha enchido seu saco. Era casada, sabia disso. E também sabia que tinha que dar satisfações. Só que, apesar dos 28 anos, já estava esgotada de si, da violência do Rio, do Brasil. “Caralho! Isso tudo aqui é uma merda. Não agüento mais. Preciso de um refúgio”, desabafava para Carmem Lúcia, colega do escritório também secretária. A amiga, de Belém do Pará, procurava palavras de incentivo, tentava confortar a parceira. Mas, o que dizer para uma pessoa sem motivação? “Querida, faça o que seu coração manda!”, dizia. E Olívia fez o que seu coração mandou.

Ali, parada na cozinha, enquanto escutava seu marido falar em loucura, da busca do nada - "um saco! Conversa de bancário pragmático”-, recordou-se de como começou o namoro com ele e, por fim, se casou. “Estávamos na casa de um amigo em comum, em Copacabana, quando ele pegou um violão e começou a dedilhar músicas de Caymmi. Até então nem sabia que ele existia. Era muito pálido e tinha cara de playboizinho”, contou para Carmem Lúcia. “Logo me interessei, né? Afinal, uma pessoa que canta Caymmi, tem um quê a mais. Então perguntei para uma amiga quem era aquele tipo e ela me deu a ficha completa. Adorei o nome, né?: Zeca. Me lembrei imediatamente daquela canção de Caymmi ‘Maurinho, Dada e Zeca ô, embarcaram de manhã. Era quarta-feira santa, dia de pesca e de pescador....’” Ai, a porra do nome....

Olívia largou o café, se virou e disse: “José Carlos, já decidi: eu vou”
Entre espantado e impaciente, o marido preterido falou: “Mas, Olívia. E seu emprego, sua família, sua vida aqui no Rio?” E, por fim: “E eu?”
“Ai, José Carlos, deixa de drama. É só um tempo. Para colocar as coisas no lugar, sabe? Cansei do Rio, preciso refrescar meu espírito”
“Tá, mas bem que você poderia sugerir Angra... sei lá... Campos do Jordão. Lembra de nossa viagem ano passado? Mas Maracangalha, Olívia. Quanto tempo a senhora pretende ficar naquele fim de mundo, que eu nem sabia que existia?”
“Ainda não sei. Vem comigo?”
“Olívia...”, Zeca ficou sem palavras. “Eu não... eu não...”
“José Carlos, se você não quiser ir, eu vou só!”, decretou Olívia.
"E se fosse eu que tivesse que abandonar tudo, hein, o que você diria? Ponha-se no meu lugar, Olívia! Você sabe como eu estou me sentindo?"
Olívia começou a chorar. Zeca a abraçou. No ar, o cheiro de pão queimado.

E Olívia se foi para Maracangalha. Só. Mas foi. Não sabia exatamente onde ficava o tal lugarejo, mas foi para lá no finzinho de agosto. Conseguiu uma passagem para Salvador a 50 reais, por meio da promoção "Viaje e conheça o Brasil gastando muito pouco" da Gol. Era madrugada quando ela e Zeca chegaram ao Galeão. Estava superlotado. Às 3 da madrugada!

“Não se preocupa, Zeca, eu me viro. Sou carioca. Me viro em qualquer lugar do mundo. Até no Rio de Janeiro!”, brincou. Zeca só fez sorrir. Estava esgotado. Nunca seria capaz de convencer sua mulher a não ir embora. Era melhor deixá-la ir e ver com seus próprios olhos a besteira que estava fazendo. Sempre foi assim. Sempre deu corda para Olívia e ela se enforcava. "Maracangalha, meu Deus... o que eu vou dizer para meus amigos?”, pensava, enquanto via Olívia dirigindo-se ao balcão da empresa para fazer o check-in. “Nada. Não vou dizer nada... Aliás, vou dizer que uma tia que ela gosta muito ficou doente e ela foi ajudar. Onde mora? No interior da Bahia”, era o que ia dizer para quem perguntasse. “E o emprego? Deixou, né. Se bem que ela nunca se adaptou muito bem àquele escritório. O único engomadinho que suporta sou eu”. Pronto, a história já estava criada. E o Zeca, mais calmo.

Enquanto pensava no que iria fazer do futuro, viu uma confusão armada no balcão da companhia aérea. "Ai, meu Deus, é a Olívia!", disse José Carlos, com as mãos na cabeça, antes de correr para ver o que estava acontecendo com sua mulher.

A parte II: Olívia quer chorar, mas não consegue

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