quinta-feira, 28 de julho de 2005

Patriotada?

Pára tudo. Alguém pode me dizer o que é isso que está acontecendo? Não, eu não estou falando da novela Mensalão! Na verdade, estou é impressionado com o “evento” que se tornou a morte do mineiro Jean Charles, um cara que foi embora do Brasil em busca de uma vida mais digna, como muitos outros milhares de brasileiros (eu daqui a pouco), e foi morto por um vacilo da polícia britânica, uma das mais respeitadas do mundo, em um momento de exceção naquele país.


Poderia ter sido qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade. Infelizmente, foi um brasileiro. Mas foi o bastante para que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, fosse a Londres exigir (!?) explicações do governo britânico a respeito da operação. Foi o bastante para que a Prefeitura de Gonzaga (MG) decretasse feriado na cidade nesta sexta-feira, no dia do enterro do rapaz. Foi o bastante para que o povinho coitado, indignado, fosse para as ruas chorar a morte de um brasileiro por gente que provavelmente odeia brasileiros. O episódio foi uma verdadeira afronta da Grã-Bretanha ao Brasil, vejam só! Valha-me Deus! Hipocrisia. Essa gente não me comove.

É lamentável a tragédia que aconteceu com o mineiro. É justa a revolta de seus amigos. É compreensível que se fale em indenização e que se cobre uma resposta inequívoca da polícia britânica. Igualmente me solidarizo, por mais inútil que seja, com a família da vítima. Mas é engraçado como, por exemplo, morte no Rio ou qualquer outra cidade brasileira por bala perdida ou na troca de tiro entre traficantes já não escandalize mais ninguém.


Ontem mesmo saiu a notícia de que uma bala perdida atingiu o corpo de uma pessoa morta que estava sendo velada em um cemitério do Rio. Com medo de serem baleadas, as pessoas que estavam próximas se jogaram ao chão e ficaram deitadas por cerca de dez minutos. Estava acontecendo um tiroteio entre policiais e traficantes no morro de São Carlos. Obviamente, a família do morto não precisou chamar a polícia. Coisas de nosso cotidiano. Mas, fica a pergunta: que tal o governo brasileiro indenizar as milhares de vítimas anônimas que, todos os dias, ou são assassinadas pelas polícias brasileiras, sem nenhum controle, ou são mortas nos confrontos diários das gangues do narcotráfico. E também as famílias dos grupos de extermínio de EsseEsseÁ?

Jean é um entre milhares de brasileiros que deixaram este país em busca de oportunidade. Quem não tem algum amigo ou conhecido que já se aventurou nesta empreitada? Brasileiros que estão na Inglaterra ou no estrangeiro com ou sem visto (legais ou não) só estão fora de seu país porque, vivos, são mais bem tratados pelo governo de lá (e suas políticas públicas) do que pelo governo daqui. Mesmo agora, morto, Jean Charles e seus familiares estão merecendo das autoridades daquele país um tratamento que os nossos cadáveres e seus parentes jamais tiveram.

Atualização 29/05, às 09h

Ontem, conversando com um amigo sobre o episódio Jean Charles, ele me disse que minhas colocações são típidas de faconianos, individualistas, pragmáticas, intelectualóides. Que eu não tinha noção de antropologia nem de relativismo para perceber que essas manifestações são uma espécie de catarse, um ritual necessário ao ser humano para que este se sinta parte de uma comunidade, um ato simbólico. Que polícia nenhuma deve ser respeitada porque polícia é polícia em qualquer lugar. Contra argumentei dizendo que isso é um espetáculo, tão comovente quanto a vitória de Jean, o Willys, no Big Brother, quando milhares de pessoas de Alagoinhas foram festejá-lo em praça pública como a um herói. Ele disse que o meu discurso não era humanista, que eu não me colocava na pele da mãe dele. Como não? Eu fico sempre pensando "e se fosse um amigo, parente meu?". O Jornal da Globo de ontem, que iniciou vendendo TV´s de plasma, exibiu uma matéria comovente onde uma repórter entrevistava mães de outras cidades que foram até Gonzaga para chorar o morto. Por quê? Porque tinham filhos no exterior e temiam pela vida deles. Uma disse "eu tenho dois filhos nos Estados Unidos e na Carolina do Norte (!?)", outra "eu tenho um marido e um filho nos Estados Unidos", outra "eu tenho um filho e um neto nos EUA"... assim mesmo, em filinha. A repórter foi passando de uma em uma. Deu a entender que os parentes delas correm perigo de vida, que a qualquer instante a polícia atiraria a queima roupa neles. Essa catarse do meu amigo, agora digo eu, faz com que elas se esqueçam que vivem num país violento que, se você não morre atropelado, morre de bala perdida ou na fila de algum hospital público ou na maca de algum hospital particular caso o plano não pague o tratamento. Enfim, tudo muito humano.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Filho de peixe...

- Ai, pera... PERAÊ! Deixa eu tomar um golinho antes de ler. Sabe como é, né? É pra encarar!

Os últimos episódios da novela “Mensalão” - que, aqui entre nós, está fazendo o maior sucesso no Brasil pela trama envolvente, cheia de surpresas - vem revelando atores até então desconhecidos do grande público nacional, sem dúvida apaixonado pelo gênero. A novela tem conseguido não só prender a atenção, mas também aproximar gente do Oiapoque ao Chuí, da Avenida Paulista, em EssePê, à Sete de Setembro, em EsseEsseÁ. Inclusive, tem corrido a boca miúda que Gilberto Braga, autor de Vale Tudo, pensou um dia desses cortar os pulsos, tamanho o monstro de olhos verdes que invadiu seu corpo.

É a nova safra da política nacional. São personagens talentosos que fazem inveja aos principiantes de Malhação da Rede Globo. Tão jovens e já tão, tão, tão... não sei nem como dizer... convincentes quanto qualquer ancião ou cabeça-branca na dura arte de fazer política. Ainda mais se partirmos do princípio que políticos costumam agir de uma maneira no palco e de outra nos bastidores. A questão é que os velhos coronéis já não são mais aqueles.

"Esse lado aqui tá bom?", pergunta Rodriguinho Travesso
"Ai, ter que suportar esse mala é uó. Pelo amor de meu avó!", pensa Leite Ninho

Quem tem acompanhado a novela "Mensalão", já deve os ter visto. Estão lá: Na Folha de São Paulo, no Globo, na Veja, na Isto É, na TV Globo... Para onde quer que os fotógrafos ou cinegrafistas apontem suas câmeras, lá estão eles: gritando, denunciando, apontando o dedo, separando briga de Heloísa Helena... estão sempre na primeira fila da sala de aula ou passsando de um lado para o outro quando as TV´s estão ao vivo (brincadeirinha!!!) Já advinhou quem são? Rodriguinho Travesso Maia (PFL-RJ), filho do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia; e ACM Leite Ninho, neto de ACM, ex-painho da Bahia. As atuações são de tirar o fôlego.

Na semana passada, Rodriguinho, líder do PFL na Câmara, ganhou destaque no Jornal Nacional, ao divulgar uma lista com nomes de parentes, assessores e deputados do PT que estiveram no Brasília Shopping no mesmo dia em que foram registrados saques de pelo menos 100 mil reais nas contas das empresas do publicitário Marcos Valério. William Bonner passou sete minutos falando. Foi tiro para tudo quanto é lado. Eu não entendi nada. No dia seguinte, a lista se mostrou uma furada. E o JN fez o ar blasé costumeiro, aquele de quem diz que o problema não é dele. Ficou feio, muito feio.

- hehe! Quando é a hora do recreio, hein?

E o ACM Leite Ninho? Aos 24 anos foi o deputado federal mais votado na história da Bahia. Desde os 11 anos acompanhava o avó e o titio, o falecido Luís Eduardo Magalhães (fantasma que dá nome a oito de cada dez ruas de EsseEssÁ, nome a um município e ao aeroporto internacional, o ALEM)... enfim, acompanhava o avó e o titio a campanhas pelos grotões deste estado. Vendo-o pela televisão, cheio de pastas e incisivo, não há como não lembrar de ACM. E de ter medo de que ele, com a competência que lhe cabe e que nós não podemos negar, comande aquele chiqueiro chamado Congresso com tanto porco semi-analfabeto deslumbrado reunido.

Os outros são os outros e só

O que nós estamos vendo é que, apesar da seriedade da situação, os parlamentares se deixam fascinar pelos holofotes de uma CPI. São muitos os que querem pegar carona nesse bonde gratuito. Mas, como diz uma amiga minha: "Não sei de quem eu tenho mais pena: se do Brasil ou da humanidade".

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Reflexão #13

Ou: Vida besta
Ou: Não vale a Pena
Ou: O PT vale a pena?
Ou: Chega de chuva em EsseEsseÁ!
Ou: Problema seu
Ou: Vida bandida
Ou: Vem
Ou: Espelho para a vaidade
Ou: Não é nada pessoal
Ou: Quero ver quem paga para gente ficar assim


Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível e depois enxergar

Que é uma pena, mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema de tão pequeno
Mas vai e vem e envenena e me condena ao rancor
De repente, cai o nível e eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo como num disco riscado
O velho texto batido dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixado
Cutucando, relembrando, reabrindo a mesma velha ferida
E é pra não ter recaída que não me deixo esquecer
Que é uma pena, mas você não vale a pena

De Jean Garfunkel/Paulo Garfunkel, interpretado pela filha da Elis Regina.

Bonus Track
"Ali onde eu chorei, qualquer um chorava. Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava!"
De: Não sei de quem é, mas eu adoro!

sexta-feira, 15 de julho de 2005

Danielicius Comics presents: Mico Fernando

Ou: O mico está pegando

Quando eu era adolescente costumava passar minhas férias de meio de ano na casa de um primo meu chamado Maurício, sete anos mais velho do que eu. O garoto sempre tinha algum bicho dentro de casa. Além de ter sido uma das poucas pessoas a ter um sharpei em EsseEssÁ, era um expert em animais. Hoje é biólogo. Foi ele quem me explicou, mais recentemente, só para dar um exemplo, o que é que era aquela gosma que os cupins expeliam na batalha contra as formigas no filme Formiguinhaz (Antz). Sim, eu perguntei. Ou vocês acham que aquela cena em um filme infantil iria passar em nuvens eurodescendentes? Ou seja: ele é muito didático.

Maurício tinha um mico estrela, aquele cinza que tem uns tufos brancos na orelha. (Mico também é conhecido como sagüi, mas eu acho esse nome deplorável) Teve mais tarde um mico leão, mas foi logo obrigado por minha tia a “doar” o bichinho ao IBAMA. Eu, naturalmente, adorava brincar com o primeiro mico, chamado Fernando. Todo dia eu subia até o segundo andar da casa, que era aberto, e “brincava” com o animal. Ele ficava numa gaiola e eu fazia com ele coisas básicas do tipo: pegar no rabo, dar susto, comer banana na sua frente e não dar, etc. Muito divertido. Mas, um belo dia, fui lá eu todo animado dar bom dia ao macaquinho. Bem... a partir daí só me vem flashs na mente.

Me lembro que a gaiola estava aberta (soube depois que meu primo tinha colocado a comida e esqueceu de fechá-la). Também me lembro que o macaquinho pulou em cima de mim, meio nervoso, e que eu gritava. Eu gritava de cá e o mico de lá. E pulava em cima de mim. Eu o pegava e o jogava longe (no teto, na parede, nos móveis, etc), mas o bicho se revirava, caía sempre sobre as patas, voltava e me estapeava. Eu tentanto descer as escadas e ele em cima de mim. Não me lembro muito bem como eu e o mico Fernando nos separamos. Foi uma relação difícil. Lamentavelmente esta é uma lacuna na minha vida. Mas eu tive que dar um tempo na rua até que meu primo conseguiu acalmá-lo e colocá-lo novamente na gaiola. Fim. Moral da história: Hoje em dia eu só “brinco” com animais depois de ter certeza que eles estão bem trancados.

Mico Fernando

Pouca gente sabe, mas o brasileiro conta com um herói que age na surdina, sorrateiramente contra os corruptos e sonegadores de impostos, em favor da gente honesta, oprimida e mal-trapilha. Aliás, ele não age: inspira. A Poícia Federal brasileira é um de seus seguidores. Foi o Mico Fernando quem os inspirou a prender, por exemplo, Eliana Tranchesi, empresária da Daslu, e os irmãos Schincariol. O mico também está no pé do publicitário Marcos Valério e dos deputados acusados de receber mensalão. "O trabalho está duro", reclama ele. Tão falando tanto dele lá na França e o próprio ainda não teve tempo de dar um pulinho por lá. Todo aquele dinheiro gasto no tal ano do Brasil na França e todo mundo dizendo que está sendo um mico... uma pena mesmo.

Mico Fernando, num flagra, comendo banana: “Mi culo”, diz.

Mas, ao contrário da espetaculosa Polícia Federal brasileira, sabe-se que a única aparição do Mico Fernando na televisão foi na propaganda dos tubos Tigre, um bico feito para se manter. Porque, vamos combinar, ninguém é de ferro, muito menos o nosso herói. Mas aí você se pergunta: Por que Fernando fica nas sombras da mídia nacional? Bem... a resposta está no início. Reza a lenda que uma repórter lançadora de tendências da Folha de São Paulo, de prenome Erika, conseguiu uma exclusiva há muito tempo atrás com o nosso herói, responsável pela divulgação do "mico" que foi a construção da Casa da Dinda. Depois de muita negociação, deu-se, enfim, o encontro:
- Como devo te chamar. Qual é o seu nome?
- Mi nombre es Fernando, guapa.
- Ah, quer dizer que você não é brasileiro?
- Si, yo nascí en Anazonia. Tu sabes que Amazonia no es solamente o Brasil, pero tambien és o Equador, Peru, Colombia, Venezuela...
- Tá, tá, tá!
- Hablo español e...
- Tá, tá, tá! Foi difícil saber das irregularidade da constru...
- Te necessito, guapa.
- Como? Sim, é por isso que estou aqui, meu bem. Eu que...
- Te quiero.
- Hein!? Tá me tirando?
- Da me tu leche, mi vida.
- Ah, vá te catar. Além de estar decepcionada com este seu modelito chinfrim setentista, você ainda vem dar em cima de mim!
- Quieres casarte conmigo?
- Se manca, sagüi!.
Erica saiu batendo forte o pé, furiosa. Enquanto o Mico Fernando começa a cantar:
- "...Did I say something wrong? Oops, I didn't know I couldn't talk about sex...And I'm not sorry, It's human nature..."

E assim foi-se embora a primeira e única oportunidade do nosso herói ser apresentado nacionalmente. A notícia se espalhou pelo mundinho fashion feito rastilho de pólvora, mas ficou por aí mesmo. Até hoje quando algum desavisado pergunta para Erika sobre a história, ela nega e diz que foram os invejosos quem a inventou. Mas, no íntimo, em silêncio, diz para si mesma: - Aquele primata me paga! Depois, joga o cabelo para o lado e olha fixamente para o espelho, concentrada na sua imagem, sentido-se... muy guapa.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Danielicius Comics presents: Anti-heróis Nacionais (Parte I)

O Capitão Cueca

A crise do PT e do governo Lula, a cada dia que passa, está se transformando em uma verdadeira comédia, se não fosse tão assustadora: é uma tragicomédia. O mais recente personagem, o Capitão Cueca, é definitivamente um anti-herói nacional. Mas, apesar disso, não podemos negar que ele é a cara do macho latino. Seu segredo, para o bem e para o mal, está entre as pernas.

Por um vacilo infantil, isso para dizermos o mínimo, ele foi pego no último sábado pela Polícia Federal com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil no seu principal esconderijo: a cueca. Os caras logo desconfiaram daquela potência viril. "Estava grande demais", disse um policial federal. "Meia, banana, entre outros objetos, a gente já tá acostumado a ver nessa parte, principalmente quando os paulistas passam pelo raio-X do aeroporto", afirmou outro. "É uma questão de auto-estima, uma coisa cultural de nosso povo". Um amigo baixo-astral disse: "Eu sempre passo com um milhão e ninguém nunca me parou".

Cúmplices do Capitão Cueca em conspiração. Não se engane, é uma gangue: eles roubam pirulito até de criancinhas

Mas, em vez de paulista, o Capitão Cueca é cearense, tem 39 anos, chama-se José Adalberto Vieira da Silva, e trabalhava para o deputado estadual cearense José Nobre Guimarães, irmão do ex-presidente do PT, José Genoino. A notícia de sua prisão foi a gota d´água para a saída de Genoíno da presidência do partido. Ele estava indo de São Paulo para Fortaleza e faria escala em Brasília, a capital dos Homens-Cueca samba canção, uma sub-categoria do Capitão Cueca. O presidente Lula disse "é um pesadelo". E é.

Mesmo um anti-herói, o Capitão Cueca tem brasilidade, tem ginga, uma vez que o brasileiro acha mais seguro guardar dinheiro dentro de roupas íntimas do que em banco. Por exemplo: no carnaval baiano, a coisa mais comum é você colocar dinheiro na cueca ou, no caso feminino, no sutiã. Na rua é um bota e tira que você acha que está vendo um bando de devassos. Não é, é apenas precaução. Agora, 100 mil dólares é coisa de herói mesmo. Viajar com esse dinheiro sem usar a mala é incrível.

O Homem-Mala

Ao contrário do Capitão Cueca, o Homem-Mala não goza da simpatia popular. Eles são vilões da pior espécie. Geralmente é um político, publicitário, religioso ou empresário engravatado que carrega dinheiro na... mala! Sinceramente, mala pega muito mal. Ontem, a Polícia Federal prendeu sete malas com cerca de 10 milhões de reais em dinheiro vivo num avião fretado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Dentro do jato estava o deputado federal (político) e presidente da Universal (religioso), João Batista Ramos da Silva (PFL-SP). Segundo o deputado, o dinheiro foi arrecadado a partir de doações de fiéis da igreja e que seria depositado numa conta do Banco do Brasil em São Paulo.

Aqui na Bahia, um jornal muito discreto, mas direto, chamado Tribuna da Bahia, definiu o episódio como "Mensalão de Deus" e disse: "Que o dinheiro é de uma igreja evangélica, não restam dúvidas. Dinheiro arrecadado do dízimo pago pelos fiéis, o que também não é novidade. Nem ilegal. A própria igreja assumiu isso. Era o mensalão de Deus. Mas numa fase de tantos escândalos e de tantas malas pretas circulando por aí, bem que o país podia se livrar desse susto". Com relação aos Homens-Mala nada a declarar.

sexta-feira, 8 de julho de 2005

Nowhere to go

Responda quem puder: Quanto vale a vida de um londrino? Ou de um novaiorquino? Ou de um madrilenho? Ou de um paraense? Quem dá mais! Os ataques supostamente atribuídos a rede Al Quaeda que aconteceram ontem em Londres e mataram ao menos 50 pessoas chocou novamente o mundo. A nossa geração já tem pelo menos três referências: o 11 de setembro, nos Estados Unidos; o 11 de março, em Madri; e agora o 07 de julho, na capital da Inglaterra.

...

Mas eu me questiono (algumas religiões dizem que isso é perigoso): a vida de um europeu é mais importante do que a de um iraquiano ou de um afegão? Por que nossa indignação é menor quando se trata das mortes irresponsáveis que estão acontecendo no Iraque ou, sei lá, Haiti? Será que eu estou sendo hipócrita, insensível, estou trocando as bolas? Será que por pensar assim estou apoiando algum ataque? Não! Agora, se me perguntarem se acredito na lei da ação e reação, respondo sem pestanejar: - Eu acredito. Sinceramente, só tenho a dizer que lamento o que aconteceu em Londres.

Muçulmanos voltam a ser o centro das atenções do Ocidente. Imagem do ônibus que rodou o mundo, sem trocadilhos, hein

Por falar nisso, pouca coisa nesse mundo tem sido mais repetitiva que o noticiário sobre o Iraque. O site O Homem Chavão tirou a prova e revelou: "você nunca sabe se está lendo notícia nova ou se é a de ontem."

1. Iraque encontra mais 46 corpos no fim de semana - 16/05
2. Corpos de 12 iraquianos são encontrados em Bagdá - 16/05
3. Número de executados no Iraque nas últimas 48 horas já chega a 47 - 16/05
4. Decapitados dois jornalistas iraquianos - 16/05
5. Polícia descobre 46 cadáveres no Iraque; 25 deles em Bagdá - 16/05
6. Iraque: motorista e dois jornalistas da TV do Kuwait são assassinados - 15/05
7. Encontrados 34 corpos de iraquianos mortos por rebeldes - 15/05
8. Encontrados 28 cadáveres de iraquianos mortos por insurgentes - 15/05
9. Morrem sete pessoas em dois atentados suicidas no Iraque - 15/05
10. Morrem quatro pessoas em dois atentados e governador sai ileso - 15/05
11. Dois funcionários de companhia industrial morrem no Iraque - 15/05
12. EUA concluem operação no oeste do Iraque; 125 rebeldes mortos - 14/05
13. Atiradores matam em Bagdá funcionário da chancelaria iraquiana - 14/05
14. Explosão no Iraque mata pelo menos quatro pessoas - 14/05
15. Nove soldados dos EUA morrem no Iraque, nova explosão em Bagdá - 14/05
Entre outros.

Agora, só mais uma perguntinha: quanto é que vale mesmo a vida humana, hein? Tenho uma suposição: 60 dólares o barril, segundo a cotação de ontem na bolsa de Nova York.

quarta-feira, 6 de julho de 2005

Vamos fugir desse lugar?

Ora, ora, ora... então Marcelo D2 e Pitty são, respectivamente, o melhor cantor e a melhor cantora do Brasil, de acordo com o Prêmio Multishow, entregue ontem no Teatro Municipal do Rio. Então o melhor CD de 2004 é o acústido do próprio D2? Ha! Em sua décima segunda edição, a premiação só fez comprovar uma coisa: o público do Multishow tem um péssimo gosto. Afinal, a decisão ficou a cargo de votações livres pela internet, sem juri especializado. Ah, tenha dó! Por exemplo: O público escolheu Vamos Fugir a melhor música de 2004. Vamos Fugir? É, aquela mesma que foi composta em 1986 (!?) por Gilberto Gil. Ela foi regravada pela-banda-animadora-de-torcida-de-futebol Skank. Ah, faça-me o favor!

No Brasil, é preciso ter muita atitude, como D2 e Pitty...

Definitivamente, a pobreza da nossa indústria musical ficou escancarada nessa premiação. Escolher Júnior, da dupla Sandy e Júnior, como melhor instrumentista do país é de deixar qualquer um em depressão. Como de praxe, ele foi vaiado. Mas, ainda escabriado, Junior chapinha disse nos agradecimentos: "recebo com humildade e como incentivo para estudar muito e um dia dizer 'hoje eu mereço'". Tá? A grande promossa da música popular brasileira chama-se Motirô. O grupo, acho que é grupo, né?, concorreu com a baiana Rapazzola, comandada pelo astro Tomate. Estou bocejando. Quem é da terrinha sabe do futuro que essa banda terá.

... ou muita fofura, como Sandy e Júnior e Tomate, do Rapazzola

Sinceramente, é com isso o que o público de hoje se identifica? Carinhas bonitas, estilos pré-fabricados e qualidade risível? Pelo menos Tati Quebra Barraco fez bonito ontem: chamou o "clipe do ano" de "clipe da semana" e não esperou a apresentação dos indicados. Foi logo dizendo que Pitty ganhou. Morô? Quer saber? que coisa mais irrelevante falar sobre isso...

Melhor Cantor: Marcelo D2
Melhor Cantora: Pitty
Melhor CD: Marcelo D2 - "Acústico"
Melhor Clipe: Pitty - "Semana Que Vem"
Melhor DVD de Música: Ivete Sangalo - Ao Vivo
Melhor Grupo: O Rappa
Melhor Instrumentista: Junior Lima (Sandy & Junior)
Melhor Música: "Vamos Fugir", com Skank
Melhor Show: O Rappa
Revelação: Motirô

segunda-feira, 4 de julho de 2005

La ley del deseo

Ou: Democracia nas relações afetivas

Sei que já passou, que todo mundo já falou, mas eu não. Vou requentar. Semana passada, a Espanha, quem diria? a Espanha!, se converteu no quarto país do mundo a aprovar a união civil de homossexuais, dois dias depois daquele país que fica "em cima" dos Estados Unidos... aquele superdensenvolvido, cheio de gelo... como é mesmo o nome? ah, Canadá!, ter feito o mesmo. Os outros dois países que já estão aceitando a união de pessoas do mesmo sexo são a Holanda (2000) e a Bélgica (2003). Em várias partes do mundo, a legalização está avançando.

Só que, por ser um país majoritariamente católico, ao contrário dos outros, a aprovação do projeto no país de Dalí, Picasso e Lorca (Uma coisa que eles não podem se queixar é de referências) gerou manifestações pra lá de passionais tanto das pessoas que são favoráveis a ele quanto de seus opositores, liderados pela Igreja Católica. A repercussão, nesse sentido, está sendo bem maior, ainda mais porque os latinos foram além: a lei é a primeira a reconhecer integralmente a igualdade entre casais homeossexuais e heterossexuais sem reservas: pode casar, pode adotar, tudo.

Parlamento espanhol

Só que nesse episódio, me chamou a atenção a defesa do projeto pelo primeiro ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que não sabia até então quem era. Ele disse: "Uma sociedade decente é aquela que não humilha seus membros.(...)Uma das grandezas da democracia é a liberdade religiosa, a liberdade de opinião e a liberdade de levar adiante um projeto político com o voto dos cidadãos”. Caralho, parece óbvio, não? Para muita gente não, principalmente os religiosos, que teimam em se meter em assuntos de Estado.

Embora já tenha passado a época do III Concílio de Latrão, que tornou o homossexualismo crime, e da era vitoriana, que mandou Oscar Wilde para o cárcere, ainda hoje pessoas são mortas a pancadas simplesmente por terem um comportamento diverso do convencional. A sociedade inclusive dá um certo indulto, uma espécie de licença para matar, além da exclusão social. Pois bem. Zapatero disse na quinta que se o papa (Chico) Bento XVI fizer alguma declaração, ele estará preparado para respeitá-la. “Ele vai contar com todo o meu respeito”, disse, já que “a liberdade de opinião é uma das garantias da democracia”. Finalizou, explicando que a reforma do Código Civil espanhol “ahorra sufrimiento inútil de seres humanos”. Massa, ponto para o Zapatero.

Chico Bento XVI ainda não se manifestou, mas o jornal El país publicou uma matéria com cardeais indignados com o projeto, que consideram-no uma "aberração" e um escândalo mundial. Eles querem a cabeça de Zapatero, sua renúncia. O cineasta Pedro Almodóvar, o mais destacado diretor espanhol da atualidade, também falou: disse que as famílias do século 21 são diferentes e não têm de refletir o modelo tradicional católico. "Não gosto de casamento, não vou me casar. Mas é importante que isso seja chamado casamento para que as pessoas saibam que é a mesma coisa para todos", disse.

Protesto e comemoração na Espanha: "É uma desgraça", disseram os primeiros.

Tudo isso me lembrou um programa que assisti na TV Cultura chamado Café Filosófico onde a convidada, a escritora e filósofa Márcia Tiburi, essa mesma que está pagando de gatinha no "Saia Justa" da GNT, falou sobre o tema "Democratizar o amor e a amizade". Primeiro, Márcia fez um histórico tanto do amor quanto da amizade desde "O Banquete" de Platão até os dias de hoje. Quando ela chegou na democracia eu quase surtei. Afinal, já eram 12h30 da madrugada! Mas a conclusão foi interessante. Márcia disse que embora não seja perfeita (e não é!), a democracia no âmbito das relações afetivas pressupõe que todos devem ter acesso a tudo, sem exclusão.

Ao contrário da democracia antiga, a contemporânea inclui todo um rol de direitos humanos, bem variados. Embora a maioria decida por todos, os outros, ou a minoria, têm que ter seu espaço garantido. Se fulaninho quiser pagar um de eremita e quiser viver solitário vagando por aí sem se manifestar, a democracia tem que garantir o seu espaço. Da mesma forma, se beltrano quiser permanecer virgem, o problema é dele, ninguém tem nada a ver com sua vida nem condená-lo porque não está casado. Se Maria desejar ficar com Joaquina, idem. Eu sou heterossexual, eu sou bissexual, eu estou hipersexual, eu estou assexual. É uma escolha pessoal e não interessa mais a ninguém! Os outros, segundo Tiburi, deveriam falar: tal pessoa encontrou uma maneira de se sentir completa e feliz. Essa é a democracia afetiva. Afinal, na medida em que se é determinado um padrão de comportamento ou de felicidade, quem não conseguir se enquadrar ou quem não quiser, está condenado a infelicidade. Concordo.

No Brasil, existe um projeto de lei de união civil criado por Marta Suplicy rolando há mais de 10 anos no Congresso. Já foi 13 vezes para votação no plenário da Câmara dos Deputados e todas elas acabaram em adiamento da discussão e da votação. No entanto, o Judiciário brasileiro, principalmente os juízes de primeiro grau, já reconheceu casos de partilha de bens, guarda de menores (caso do filho da cantora Cássia Eller), direito previdenciário e pensão alimentícia. Parece pouco, mas não é. A questão da liberdade, igualdade e respeito à dignidade humana passam, necessariamente, pela inclusão na proteção jurídica. E é isso que está acontecendo.

Este é só um aspecto da vida social que deve ser observado e eu queria falar essa história de democracia nas relações afetivas há meses. Por isso que eu peguei o exemplo da Espanha. Quem quiser saber um pouco mais sobre democracia, acho interessante esse artigo do filósifo Renato Ribeiro. Enfim, é como diria Caetano, o Sócrates brasileiro (hehe): (Enquanto) "Todo mundo quer saber com quem você se deita. Nada pode prosperar".

Bonus Track:
Neste domingo, João Ximenes , do Globo, falou sobre a Parada Gay do Rio, questionando-se se aquilo era um carnaval ou não e se tinha um caráter político. Recomendo.